Para além da pandemia: os riscos de transformar o ensino presencial em atividade essencial

Além do aumento de contágios e mortes, projeto pode trazer retrocessos permanentes para a educação do país


Por Diego Franco David

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (20/04) o PL 5595/2020 que torna o ensino na modalidade presencial um "serviço essencial". O projeto tramitou em regime de urgência, sem passar pelas comissões temáticas, e hoje está em pauta para ser votado no Senado.

O objetivo da Bancada Bolsonarista é enfraquecer medidas restritivas estabelecidas por prefeitos e governadores durante a pandemia, mas as consequências da mudança na legislação é de longo prazo e altera todo o funcionamento da Escola, mesmo após a pandemia. O projeto também recebeu apoio de setores de oposição ligados às escolas particulares, mais preocupados com o cancelamento de matrículas nestas instituições que com as possíveis vidas a serem perdidas na pandemia.

Em sua justificativa, as deputadas Paula Belmote (Cidadania/DF) e Adriana Ventura (Novo/SP), autoras do PL 5595/2020, criam uma confusão intencional ao citar o direito fundamental à educação como um dever do estado, presente na Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, que expressa a obrigatoriedade do acesso à Educação Básica a todos os brasileiros para estabelecer que o Ensino Presencial não pode ser interrompido por decretos municipais e estaduais, “em face de problemas momentâneos que a sociedade esteja enfrentando”, como a pandemia de Covid-19.

Assim, sem mencionar ampliação de recursos, adaptação estrutural, investimento em tecnologia, formação continuada e condições de trabalho, o projeto veste uma máscara da valorização da Escola, enquanto ataca o direito fundamental de organização e luta pela vida dos profissionais da educação. Visto que, ao considerar o ensino presencial uma atividade essencial, fica limitado o direito de greve (inclusive as greves sanitárias, que mantém o atendimento remoto), único instrumento capaz de enfrentar os desmandos autoritários de governantes que insistem em por em risco trabalhadores, estudantes e comunidades escolares, convocando o retorno presencial sem fornecer as condições sanitárias necessárias para sua efetivação.

Para amparar os seus argumentos, as autoras do Projeto evocam exemplos de países que realizaram o retorno as aulas presenciais, mas sem contextualizar as adaptações de infraestrutura e o nível de investimento em Educação deste países, tão diferente da realidade brasileira. Forçar o ensino presencial como atividade essencial, em um contexto de anos de desinvestimento e precarização, onde a educação nunca foi prioridade, atende a interesses bem específicos de uma camada da sociedade e não ao bem comum como querem fazer crer.

Além disso, sob os termos da lei, transformar o Ensino Presencial em uma atividade essencial implicaria em um funcionamento constante, afetando a dinâmica das escolas de forma permanente, o que demandaria uma necessidade muito maior de recursos, não previstos no projeto. Teoricamente, isso significaria o fim das férias coletivas, o estabelecimento de regimes de plantão nos feriados, recessos e finais de semana, além das já citadas restrições mais duras ao direito de greve.

Projeto pode aprofundar caráter assistencial das Escolas

Sobre a questão do financiamento, ainda existem questões que não podem deixar de ser ponderadas, como a utilização dos recursos constitucionais da Educação em áreas que se relacionam com ela, mas que deveriam ter recursos próprios, como a Assistência Social.

Nas últimas décadas, os governantes tem transferido atividades de competência da Assistência Social que acontecem dentro das escolas para a pasta das Secretarias de Educação. Serviços relativos a segurança alimentar (como a merenda e concessões de cestas básicas), serviços de convivência, fortalecimento de vínculos (como o Programa Escola Integrada) e de prevenção à violência têm sido realizadas com recursos da educação.

Dessa forma, ao invés de aumentar os recursos da pasta da Assistência Social, para que essas atividades sejam cumpridas, o que acontece é um esgotamento das verbas constitucionais que deveriam ser destinadas para a melhoria de infraestrutura escolar, valorização profissional, aumento do número de profissionais para atenção individualizada aos estudantes e investimento em tecnologia.

Assim, como o processo pedagógico de ensino depende de intervalos bem estabelecidos, como férias e recessos escolares mas, sob o ponto de vista legal, o serviço essencial deve ser mantido em funcionamento, seja por regularidade estabelecida ou sob regime de plantão, a lei abre brecha para que ainda mais atividades da Assistência Social sejam transferidas para a pasta da Educação.

Isso significaria um retrocesso para as duas pastas. A Assistência perde a capacidade de gestão e planejamento sobre as famílias em situação de vulnerabilidade, pois se decentraliza o processo de mapeamento e identificação das pessoas assistidas. E a educação perde por ter que utilizar recursos constitucionais em áreas importantes, mas que fogem da sua competência.

Publicado originalmente no Portal do Sind-Rede BH (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte).

Postar um comentário

0 Comentários