O 'gabinete de portas abertas' só ouviu o sindicato após ser 'arrombado' pela pressão política dos educadores nas últimas semanas, nas ruas e nas redes. No entanto, o governo não apresentou solução para os atrasos salariais.
Na manhã de hoje a comissão de negociação do Sepe Lagos, eleita pela categoria na Assembleia Online realizada na última quarta (13) finalmente conseguiu dialogar diretamente com o prefeito José Bonifácio (PDT), algo que vem sendo pleiteado pelo sindicato desde dezembro, quando ainda ocorria o processo de transição com o governo passado. Para a reunião de hoje acontecer a categoria precisou se unir ao sindicato e fazer muita pressão sobre a prefeitura ao longo das duas últimas semanas.
Apesar de finalmente o gestor municipal ter aceitado conversar com o Sepe Lagos, ele não se comprometeu a honrar os proventos de dezembro de 2020. O governo voltou a apresentar a indecorosa proposta de apenas adiantar os salários de janeiro no próximo dia 20, pagando o salário base e, pior, sem o acréscimo proporcional de 1/3 de férias que geralmente é pago neste período do ano. Segundo Bonifácio, os recursos para o pagamento desse direito também entraram nos empenhos do desgoverno anterior.
Por que essa proposta é absurda?
A Prefeitura Municipal de Cabo Frio desde que demitiu mais de 3 mil trabalhadores da educação tem acumulado uma arrecadação superavitária de recursos do Fundeb, que é a principal fonte de financiamento utilizada para pagar os salários dos profissionais da educação. Até dezembro de 2020, o município tinha mais de 12 milhões em recursos federais deste fundo à sua disposição para liquidar a folha de pagamentos do referido mês.
No entanto, esse dinheiro não foi usado para este fim e o motivo é a perfeita expressão do descaso com que a educação é administrada — e saqueada — pelos sucessivos governos. Desde 2017, Cabo Frio foi obrigada a cumprir um Termo de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), comprometendo-se a regularizar os repasses mínimos dos recursos próprios do município, determinados pela Constituição Federal de 1988, e que não estavam sendo cumpridos há anos. Assim, este termo fixou que o município reservasse mensalmente, além dos 25% de suas verbas para a educação, como manda a Lei, também pequenas porcentagens de compensação pelos vários anos em que a prefeitura não cumpriu esse percentual. Desde então, a prefeitura de Cabo Frio ficou obrigada a repassar pouco menos de 28% de seus recursos próprios exclusivamente para a educação.
Mas os políticos da região parecem acreditar que as leis e os acordos judiciais não existem para serem cumpridos, mas sempre burlados. O ex-prefeito Adriano Moreno (DEM) e o seu secretário de educação Ian Eduardo de Carvalho fizeram, ao término de seus mandatos, uma manobra contábil para atingir esse percentual empenhando todos os recursos próprios da prefeitura para pagar a folha de pagamentos da educação de dezembro. E tomaram essa medida mesmo sabendo que a arrecadação própria do município não permite que se financie os salários dos educadores apenas com recursos da cidade. E, como se não bastasse, o ex-prefeito caloteiro também empenhou os recursos do Fundeb para pagar dívidas da prefeitura.
Com essa "pedalada" o prefeito deixou no colo de José Bonifácio uma bomba-relógio, que seria o previsível atraso de pagamento dos salários de dezembro quando chegasse o quinto dia útil e não houvesse recursos suficientes para honrar os proventos dos educadores. No entanto, apesar de saber de todas essas irregularidades, o prefeito atual está se negando a cancelar imediatamente estes empenhos e buscar responsabilizar o ex-prefeito pela gambiarra que ele e seu carrasco na Seme utilizaram para fingir que estavam cumprindo o acordo firmado com o MPRJ.
Bonifácio se mostrou pouco aberto a mudar de posição
Os representantes do Sepe Lagos na reunião com a prefeitura tentaram de todas as maneiras abrir os olhos do atual prefeito quanto ao absurdo com o qual ele está corroborando ao não cancelar de maneira imediata os empenhos feitos por Adriano e Ian, mas Bonifácio se mostrou pouco disposto a se confrontar com a administração passada. E também pouco preocupado em honrar os pagamentos que a prefeitura — e não o governo 'A' ou 'B' — deve aos trabalhadores da educação. Quando foi questionado sobre como os trabalhadores vão pagar todas suas contas sem terem recebido os salários de dezembro, Bonifácio disparou: "E qual é o problema?! Vocês vão receber janeiro adiantado e enquanto não for possível pagar o salário de dezembro eu vou adiantando mês a mês".
Apesar da insistência em querer manter essa dívida com os trabalhadores mesmo sabendo que a arrecadação do Fundeb foi superavitária, o prefeito prometeu estudar uma maneira de cancelar os empenhos feitos pela administração municipal anterior. No entanto, sem assumir o compromisso de fazê-lo e insistindo no discurso de que ele só se preocupará em honrar o que deve "daqui para frente", como se ao assumir a prefeitura ele não tivesse assumido o compromisso de sanar todas as dívidas que o município acumulou ao longo dos anos com seus trabalhadores; como se as dívidas fossem dos governos e não da administração municipal enquanto órgão do Estado.
Com uma reunião tão limitada, é preciso lutar para seguir o diálogo
Defendendo a política do Governo Bonifácio, participaram da reunião, além do próprio prefeito, Aquiles Barreto (PT), ex-vereador que coordenou a campanha eleitoral de Bonifácio e agora é seu Secretário de Governo. De forma independente, também acompanhou a negociação o vereador Rodolfo de Rui (Solidariedade).
O único tema abordado nesta primeira reunião foi a questão dos atrasos salariais, pois o prefeito afirmou que não poderia participar de uma reunião extensa, que abrangesse muitos assuntos, pois teria um compromisso com um deputado estadual na hora seguinte à da reunião.
Porém, o Sepe Lagos lutará para voltar a se reunir com o prefeito em uma audiência que garanta mais tempo para se discutir todos os pontos da pauta de reivindicações emergenciais que a categoria construiu em assembleia nos últimos dias.
Para isso, será necessário que os educadores continuem mobilizados, participando das assembleias, plenárias e atos públicos. Precisam também seguir cobrando posicionamento dos integrantes do governo e dos vereadores.
E, obviamente, será necessário que a prefeitura tenha vontade política de seguir dialogando com os educadores, "abrindo as portas" de seu gabinete não apenas para os grandes empresários e suas entidades, associações e partidos patronais, mas também para as organizações e movimentos da classe trabalhadora, da juventude e do povo pobre de Cabo Frio.
1 Comentários
Na boa, cansado desse descaso e da omissão da justiça local. Denunciar feita ao TCU.
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